GeoHereditas realiza projetos de conservação do patrimônio construído

O reconhecimento e a conservação do patrimônio construído centram-se em torno de dois grandes desafios que a geóloga e professora, Eliane Del Lama, especialista no assunto, busca conquistar em pesquisas regulares realizadas em parceria com pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas).

“O primeiro desafio é identificar, caracterizar e explicar os problemas que afetam as construções ou os seus componentes. O segundo é encontrar, validar e especificar as soluções que melhor resolvam ou mitiguem aqueles problemas. Um dos aspectos que integram esses desafios é a seleção e prescrição do tipo de tratamento a ser aplicado nos casos que dele necessitem”, explica a professora.

Para elucidar tudo isso, é necessário recorrer a um conjunto de estudos que visam desde a compreensão aprofundada do material pétreo em questão aos processos de deterioração que conduziram ao estado de alteração. Além de priorizar a aplicabilidade de um determinado tratamento, avaliação do conjunto pedra-produto de tratamento e dos impactos positivos e negativos do tratamento até à previsão da potencial estabilidade temporal dos elementos tratados.

O material a ser tratado deve ser devidamente diagnosticado e caracterizado, tanto com relação aos seus atributos químico-mineralógicos quanto ao seu espaço poroso e propriedades físicas (mecânicas e hidráulicas).

Técnicas de caracterização geológica

Para a caracterização dos materiais geológicos são utilizadas as técnicas analíticas tradicionais, como estudo petrográfico, identificação via microscopia eletrônica de varredura, difração e fluorescência de raios X, microssonda eletrônica, espectrometria de massa, porosimetria de intrusão de mercúrio, análises termodiferenciais, entre outras.

A escolha dos métodos a serem utilizados depende da quantidade de amostras disponíveis e do problema a ser solucionado, elencando as contrariedades e definindo estratégias para respondê-las.

Além das técnicas tradicionais de análise, existem os métodos não destrutivos para caracterização dos materiais pétreos, tais como: espectrofotometria para determinação de cor, determinação da velocidade de propagação de ondas ultrassônicas para avaliar a estabilidade interna da pedra, esclerometria para se correlacionar a resistência e também a sanidade da pedra. Por último, utiliza-se a absorção de água, com o método do cachimbo, para avaliação da permeabilidade da pedra.

Eliane destaca a viabilidade dos métodos não destrutivos para estudo do patrimônio cultural. “O método se destaca na capacidade de realizar, adequadamente, análises de parâmetros diretamente nos bens culturais, sem a subtração de amostras, preservando sua integridade e produzindo grande volume de dados obtidos in situ”.

Neste sentido, vários monumentos paulistanos já foram analisados pelos pesquisadores do GeoHereditas, resultando em dissertações, teses e artigos. Alguns destes trabalhos são citados a seguir.

  • Caracterização cromática do Granito Itaquera (Grossi 2013, Kuzmickas & Del Lama 2014, Grossi et al. 2015, Del Lama et al. 2016), das pedras do Palácio da Justiça (Suzuki 2018), de alguns jazigos do Cemitério da Consolação (Kuzmickas 2013) e de pinturas do artista Alfredo Volpi (Mori 2015, Mori et al. 2016);
Estudo mineralógico de pintura no Museu de Arte Contemporânea (MAC).
Análise de material pétreo de monumento do Cemitério da Consolação.
  • Muitos dos monumentos paulistanos são constituídos por granito e com base nos valores das velocidades de propagação de ondas ultrassônicas obtidos, estes apresentam-se internamente sem alteração. Com esta concepção, os monumentos analisados foram: Nostalgia, Monumento em Homenagem ao Club Atlético Paulistano, Camões, Mário de Andrade, José Bonifácio (Rodrigues 2012); O Sepultamento (Kuzmickas & Del Lama 2014); Monumento às Bandeiras (Gimenez & Del Lama 2014); Monumento a Ramos de Azevedo (Grossi & Del Lama 2015); e Sé (Machado 2015). Uma análise destes trabalhos é apresentada em Del Lama et al. (2018);
Caracterização de rochas ornamentais presentes na Catedral Metropolitana de São Paulo.
  • O Teatro Municipal de São Paulo apresenta um problema crônico de conservação, já que a pedra utilizada na sua fachada frontal possui argilomineral expansivo e apresenta rápida deterioração. Grossi (2016) realizou estudos desta pedra para aplicação de consolidantes e hidrofugantes (Grossi & Del Lama 2018;

  • A técnica executiva de afrescos de Fulvio Pennacchi foi estudada por Del Lama et al. (2009) e Magon & Del Lama (2019);

  • Também são feitos testes em rochas para determinar sua resistência a ambientes agressivos (Gimenez 2018).

Atualmente, existem dois projetos em andamento, que estuda diferentes materiais geológicos. Um, trata-se da investigação do impacto da urina nas rochas graníticas em fachadas e monumentos históricos. Em breve, serão divulgados os resultados desta pesquisa.

E ampliando os materiais investigados, outro projeto refere-se à caracterização química e mineralógica de fragmentos cerâmicos provenientes de cerritos de índios, localizados no estado do Rio Grande do Sul.  

Portanto, o GeoHereditas visa a formação de recursos humanos de cientistas da conservação, com o viés do conhecimento geológico dos materiais pétreos.

A geração de conhecimento sobre deterioração de materiais geológicos e suas propriedades podem auxiliar os órgãos competentes à salvaguardar os bens culturais.

Fontes

Del Lama E.A., Tirello R.A., Andrade F.R.D., Kihara Y. 2009. Study of mural paintings by Fulvio Pennacchi in São Paulo City by mineralogical techniques. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 81(1):115-126. Disponível no endereço: http://www.scielo.br/pdf/aabc/v81n1/a12v81n1.pdf.

Del Lama E.A., Dehira L.K., Grossi D., Kuzmickas L. 2016. The colour of the granite that built the city of São Paulo, Brazil. Color Research and Application, 41(3): 241-245.

Del Lama E.A., Gimenez A.M.S., Grossi D., Machado D.F.R., Kuzmickas L., Rodrigues N.M. 2018. Patrimônio pétreo paulistano: análise sob a ótica de propagação de ondas ultrassônicas. Cadernos do Lepaarq, 15(30):229-236. Disponível no endereço: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/lepaarq/article/view/13012/9016.

Gimenez A.M.S. 2018. Suscetibilidade experimental de rochas do patrimônio histórico aos agentes do intemperismo. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 295 p. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44144/tde-10072018-152157/pt-br.php .

Gimenez A.M.S. & Del Lama E.A. 2014. Comportamento de ondas ultrassônicas no Granito Mauá para a conservação do Monumento às Bandeiras. Geologia USP – Série Científica, Revista do Instituto de Geociências-USP, 14(3):47-60. Disponível em: http://ppegeo.igc.usp.br/pdf/guspsc/v14n3/04.pdf.

Grossi D. 2013. Análise do estado de conservação do Monumento a Ramos de Azevedo com utilização de métodos não destrutivos. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 138 p. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44144/tde-14112013-105630/.

Grossi D. 2016. Avaliação da aplicação de consolidantes no Arenito Itararé, constituinte da fachada do Teatro Municipal de São Paulo. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 242 p.

Grossi D. & Del Lama E.A. 2015. Ultrasound technique to assess the physical conditions of the Monument to Ramos de Azevedo. Revista Escola de Minas (REM), 68(2): 171-176. Disponível no endereço: http://www.scielo.br/pdf/rem/v68n2/0370-4467-rem-68-02-0171.pdf.

Grossi D. & Del Lama E.A. 2018. Avaliação da eficácia de hidrofugantes e antigraffiti no Arenito Itararé. Geologia USP – Série Científica, Revista do Instituto de Geociências-USP, 18(4):43-55. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/guspsc/article/view/144298/148992.

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Kuzmickas L. 2013. Estado de conservação dos monumentos pétreos do Cemitério da Consolação, São Paulo. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 197 p. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44144/tde-18112013-104436/.

Kuzmickas L. & Del Lama E.A. 2014. Utilização de métodos não destrutivos no patrimônio histórico: estudo de caso da escultura O Sepultamento de Victor Brecheret. Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (RBGEA), 4(1):9-22. Disponível em: http://www.abge.org.br/uploads/arquivos/artigo1-dellama2015100813351380545.pdf.

Machado D.F.R. 2015. Catedral da Sé de São Paulo: análise do estado de conservação das rochas do templo por métodos não destrutivos. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 180 p. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44144/tde-27052015-090139/.

Magon P.M., Del Lama E.A. 2019. Material characterization, stratigraphy, textures, and painting techniques of the mural painting: The Allegory of the Industrial Development of São Paulo by Fulvio Pennacchi. Studies in Conservation. (DOI 10.1080/00393630.2018.1564502).

Mori E.K. 2015. Estudo da paleta de cores do artista Alfredo Volpi utilizando métodos de análise física não destrutivos por meio dos equipamentos de Espectrofotômetro, Espectômetro de Energia Dispersiva – EDXRF e Microscópio Eletrônico de Varredura – MEV. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 257 p. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44144/tde-17112015-151200/.

Mori E.K., Del Lama E.A., Rizzuto M.A., Kajiya E.M., Campos P.H.O.V. 2016. Analyses of Alfredo Volpi’s paintings with X-rays fluorescence, spectrophotometer and multispectral imaging. E-Conservation, 5. Disponível em: http://www.e-conservation.org/94.

Rodrigues N.M. 2012. Ensaios não destrutivos em monumentos pétreos paulistanos. Monografia de Trabalho de Formatura, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 75 p.

Suzuki A.T. 2018. Estudo e análise do estado de conservação das rochas, por método não destrutivo, do Palácio da Justiça de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo (IGc-USP), 127 p.