Serviços ecossistêmicos da geodiversidade

Um ecossistema é um complexo dinâmico, que integra elementos vivos (a biodiversidade) e não-vivos (a geodiversidade). Estes dois tipos de elementos funcionam como uma unidade interdependente, de modo que os organismos que vivem no sistema interagem continuamente com o meio físico. Ou seja, os materiais e processos que constituem a geodiversidade controlam tanto a distribuição como o desenvolvimento dos seres vivos. Por isso, é essencial que a gestão dos ecossistemas seja integrada e leve em consideração todos estes aspectos.

O conceito de serviços ecossistêmicos surgiu na década de 1990 e refere-se aos bens e serviços prestados pela natureza à sociedade. Em 2000, em resposta a uma solicitação de Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU, teve início a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (MEA, da sigla em inglês), que teve como objetivo avaliar as consequências das modificações nos ecossistemas para o bem-estar humano. A iniciativa abrangeu mais de mil especialistas de vários países para fornecer as bases científicas para avaliar estas modificações e traçar planos de ação para melhorar a conservação e o uso sustentável desses sistemas ecológicos.

O MEA classificou os serviços ecossistêmicos em quatro funções: regulação, suporte, provisão e culturais. Desde então, a abordagem ecossistêmica vem sendo amplamente utilizada na análise dos serviços que a sociedade obtém do meio natural, na tentativa de avaliar tanto qualitativamente como quantitativamente o valor da natureza.

As abordagens ecossistêmicas tradicionais são focadas essencialmente na porção abiótica da natureza. Sabe-se, entretanto, que os elementos da geodiversidade são responsáveis pelo fornecimento de uma infinidade destes serviços. Surge aí o conceito de serviços ecossistêmicos prestados pela geodiversidade, definido pelo Professor Murray Gray, da Universidade Queen Mary de Londres, no Reino Unido.

Serviços ecossistêmicos do litoral paulista

A área estudada neste trabalho é a região costeira de São Paulo, um destino turístico tradicional cujos ecossistemas desempenham um papel importante no fornecimento de bens e serviços à população. No entanto, a região tem sido o foco de extrema especulação imobiliária e de uma indústria do turismo que em geral não tem preocupações ambientais. Isso coloca em risco tanto a quantidade como a qualidade desses serviços.

Assim, este trabalho surge como a contribuição inicial para uma discussão que leve em consideração a gestão integrada da biodiversidade e da geodiversidade nesta região tão bela, mas tão ameaçada. Para isso, foi feito um inventário preliminar do papel dos elementos da geodiversidade para os serviços ecossistêmicos, por meio dos quais será possível avançar no detalhamento das pesquisas e fornecer bases para políticas públicas que promovam o uso sustentável destes recursos.

Veja alguns exemplos de serviços ecossistêmicos da região litorânea de São Paulo:

Serviços de  regulação
Meandros do Rio Itapanhaú, Bertioga

Os rios da região atuam como reguladores das condições naturais do ambiente. Suas planícies são responsáveis pela filtragem de nutrientes e sedimentos dos rios, atuando como reservatórios, regulando o volume da água e promovendo sua purificação. Ao fundo, vemos as escarpas da Serra do Mar, cujo relevo tem uma influência significativa na precipitação média da região.

Vista aérea do Rio Itapanhaú em Bertioga
Visão da costa do Araçá em São Sebastião

Serviços de suporte
Manguezal do Araçá, São Sebastião

O local é habitat de um grande número de organismos marinhos e terrestres que promovem o seu funcionamento. É utilizado por comunidades de pescadores que moram e tiram seu sustento do manguezal. Atualmente, encontra-se ameaçado pelo projeto de ampliação do Porto de São Sebastião, que prevê a construção de uma plataforma recobrindo cerca de 80% do local.

Serviços de provisão
 Forte de São João, Bertioga

Edificação do período colonial construída com pedras da região e argamassa. Em reformas recentes, o material pétreo foi coberto por tinta branca. Conheça mais sobre ele no passeio virtual panorâmico.

Forte de São João na foz do Itapanhaú, Bertioga
Pedra do Sino vista do alto em Ilhabela

Serviços culturais
Pedra do Sino, Ilhabela

Formada por um conjunto de blocos de sienito, uma rocha ígnea que constitui os maciços rochosos da ilha. Alguns destes blocos emitem um som de sino ao serem tocados com um objeto de metal (um martelo, por exemplo). O local é um popular atrativo turístico e no qual foram instaladas passarelas para facilitar a movimentação dos visitantes.

Confira o artigo científico referente a esta pesquisa

Serviços ecossistêmicos na Bacia de Taubaté

A Bacia de Taubaté encontra-se numa área altamente urbanizada do sudeste do estado de São Paulo, abrangendo onze municípios do Vale do Paraíba. Localizada entre as Serras do Mar e Mantiqueira, verdadeiros redutos da biodiversidade brasileira, a região possui densa rede hidrográfica, representada pelo rio Paraíba do Sul e afluentes, além de elementos da geodiversidade que contribuem diretamente com o bem estar de seus habitantes, disponibilizando uma variedade de recursos naturais que são utilizados por setores industriais e por grande parte da população local.

No entanto, esta geodiversidade tem sido ameaçada, principalmente, por atividades antrópicas decorrentes do crescimento urbano que não ocorreu de forma planejada, interferindo no fluxo e na qualidade dos serviços ecossistêmicos disponíveis na região.

Diante do exposto, por meio da avaliação qualitativa da geodiversidade da bacia, foram identificados os serviços ecossistêmicos da região a fim de demonstrar a importância dos elementos da geodiversidade no desenvolvimento socioeconômico e ambiental local. Além disso, foi proposto um método para quantificar os impactos causados aos serviços ecossistêmicos por decorrência desse crescimento urbano. Pretende-se assim fomentar o interesse do poder público na gestão dos recursos naturais, propiciando a criação de medidas necessárias à mitigação de impactos antrópicos, que afetam a geodiversidade e interferem na disponibilização dos serviços ecossistêmicos.

Exemplos dos serviços ecossistêmicos identificados na região da Bacia de Taubaté:

Serviços de regulação: rio Paraíba do Sul

O rio Paraíba do Sul e seus afluentes contribuem com uma série de serviços ambientais, com destaque para o ciclo hidrológico, primordial à sustentação da vida. Além disso, são responsáveis pela manutenção do microclima, qualidade da água e sustentação do fluxo de recarga dos lençóis freáticos, disponibilizando água aos mananciais hídricos que convergem para a bacia hidrográfica do rio.

Serviço de regulação
Escravos em cultura de café em uma fazenda na cidade de Lorena. Foto: acervo Instituto Moreira Salles (1882).

Serviços de suporte: solos férteis para agricultura

Os solos sempre desempenharam papéis fundamentais na economia da região. No início do século XIX, foi nesta localidade que o café se tornou o principal produto de exportação brasileira, visto que o clima e os solos férteis favoreciam o cultivo do produto (na época, produzido por mão de obra escrava). Atualmente, a área tem grande importância na produção de arroz, cultivado por meio de rizicultura de inundação. Essa técnica necessita de elevada disponibilidade de recursos hídricos, dependendo diretamente do suporte do rio Paraíba do Sul para seu desenvolvimento.

Serviços de provisão: recursos minerais

A região da bacia é rica em recursos minerais que são explorados há anos e têm contribuído com o desenvolvimento socioeconômico local. Dentre eles, as águas subterrâneas do Aquífero Taubaté funcionam como mananciais hídricos, disponibilizando água de qualidade para a população residente nas cidades inseridas na bacia e seu entorno. Outro serviço de provisão significativo se refere à exploração de areias, que vêm sendo extraídas ao longo do rio Paraíba do Sul desde à década de 1970 para uso na construção civil. 

 

Cava de mineração de areia no município de Tremembé – SP. Foto: Helio Diniz.

A região oferta ainda outros bens minerais, com destaque para as turfas e os argilominerais, os quais, ao serem tratados com ativos químicos, são comercializados com a denominação de “bentonita”, e são utilizados para impermeabilização de solos, aglomeração de areias de fundição, processamento de óleos na produção de biodiesel, fertilizantes, defensivos agrícolas, dentre outras aplicações.

Referência à lenda do Gigante Adormecido, indicado pela seta em amarelo. Foto: Celso Galvão.

Serviços culturais: Lenda do Gigante Adormecido

Os elementos da geodiversidade também se relacionam com os aspectos da cultura local através de relatos históricos, lendas folclóricas e questões religiosas. Envolve ainda o uso da geodiversidade para lazer e ensino das geociências. O mito do “Gigante Adormecido” é um bom exemplo de história folclórica e está atrelado aos aspectos da geomorfologia local. 

A lenda relata a história de um índio que habitava o Vale do Paraíba e teria salvado seu povo da exploração dos bandeirantes no século XVI e, após o ato heroico, teria se deitado entre as árvores em um sono eterno, se transformando em uma grande rocha.

Saiba mais sobre o método utilizado para avaliação dos impactos aos serviços ecossistêmicos e outras informações nos artigos científicos referentes à pesquisa abaixo: